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terça-feira, 31 de março de 2015

Páscoa - um convite ao recolhimento

"Não haverá borboletas, se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses." Rubem Alves

A Páscoa é o momento do ano especialmente dedicado à transformação e ao renascimento. Basta olharmos para a natureza, e contemplarmos seu ritmo. O outono é a estação do ano que ocorre depois do verão e antes do inverno sendo, portanto, um momento de transição entre duas temperaturas bem marcantes. A palavra "páscoa" vem do hebraico "pessach", que significa passagem. As folhas amarelam e os frutos maduros caem no chão, dando espaço aos que virão. É chegada a hora de abrir espaço para o novo.

Na religião cristã, a páscoa representa a glória da ressurreição de Cristo. A semana Santa começa com o Domingo de Ramos, que nos remete à entrada de Jesus em Jerusalém. Segue a semana com a condenação da figueira, o encontro com adversários no templo, a unção/ lava pés e a santa ceia. Na Sexta Feira Santa, Cristo resgata para o ser humano a sua herança espiritual, quando ocorre a crucificação de Jesus. E no domingo celebra-se de fato, a Ressurreição de Cristo.

É triste notar que a cultura em que estamos inseridos não tem tempo para respirar, nem tempo de deixar qualquer tipo de transformação interna ocorrer porque tem pressa de ter cada vez mais, e ser cada vez menos. Assim como a lagarta se entrega ao processo de metamorfose e torna-se borboleta, a época da páscoa nos convida a deixar morrer em nós aquilo que não nos serve mais, para posteriormente colher os frutos dessa abençoada entrega, e renascer. Se a lagarta não respeitasse o tempo que lhe é oferecido para que fosse aquecida e transformada, jamais se tornaria uma borboleta. Somente após fechar-se em seu casulo escuro, seu corpo pesado é agraciado com a leveza das asas com as quais é presenteada. Assim também devemos olhar para o nosso escuro interior, a fim de que renasça em nós a possibilidade de uma existência mais plena. 


É comum, no entanto, evitarmos qualquer tipo de trégua, pois tal circunstância nos remete, erroneamente, à preguiça. Na verdade, interrupções são necessárias para que novas e produtivas energias ganhem espaço. O outono não é preguiçoso, nem inerte, pelo contrário, sem ele, não haveria a possibilidade da natureza angariar forças para seguir adiante em um cenário repleto de novas movimentações. Da mesma forma, somente ao nos permitirmos momentos de relaxamento e introspecção, seremos capazes de produzir com qualidade, ao invés de investirmos incansavelmente na quantidade, que acaba por muitas vezes, pecando pela sua precariedade.

Há um movimento também, ou principalmente, no ato de interromper. A suspensão exige tanta força e até mesmo mais coragem, do que o impulso de fazer. Mas infelizmente, vivemos na ilusão da frase: “Cabeça vazia, oficina do diabo” e temos medo de parar. A falta de intimidade que cada um tem consigo, e a consequente falta de autoconhecimento, alimenta a crença de que é preciso ter a mente repleta de compromissos e pensamentos. E isso impede o ser humano de entrar em contato com o porto seguro que é o interior de seu Ser.

Nossas crianças com certeza são quem mais precisam ter respeitados seus momentos de recolhimento. Porém, elas dependem de pais exemplares, que exerçam diariamente suas pausas, pois é através da imitação que elas mais aprendem. Sabemos que nem sempre conseguimos ser exatamente aquilo que gostaríamos que nossos filhos fossem. Entretanto, dar-se conta dessa falta, é o primeiro passo para que alguma mudança interna ocorra. Interna, pois de nada adianta falar uma coisa e sentir outra; sem dúvidas essa ambiguidade será notada e confundirá ainda mais a criança. 

A celebração da Páscoa pode ser feita de maneira sutil, transmitindo delicadamente o profundo significado da época. Talvez seja uma questão de simplesmente deixar os pequenos vivenciarem aquilo que animicamente já lhes é oferecido. Naturalmente o universo infantil está muito próximo ao mundo espiritual, basta não atrapalhar inundando sua sensibilidade com o conceito consumista que costuma poluir a sociedade em ocasiões como esta.

Isso não significa abolir os coelhinhos, os ovos e a parte lúdica da comemoração. Mas sim apresentá-los de uma forma menos mascarada. Mostrar não somente um coelho, mas o coelho que representa a fertilidade e a capacidade de gerar muitas vidas; não apenas um ovo de chocolate, mas o ovo como fonte da vida em potencial. Ao contar histórias, recitar poemas ou cantar músicas, priorizar aquelas onde esses simbolismos apareçam de uma maneira não distorcida (http://www.festascristas.com.br/pascoa/pascoa-historias). Tais atitudes são fundamentais para que cada criança possa sentir coerência entre o que vive sua alma, e aquilo que se apresenta ao seu redor.

"O que acontece no ambiente físico, a criança imita. Isso inclui todas as ações morais e imorais, inteligentes e tolas que a criança possa perceber. Não são, pois, as sentenças morais nem os ensinamentos da razão que atuam nesse sentido sobre as crianças, mas apenas o que os adultos fazem em sua redondeza." Rudolf Steiner


sábado, 7 de março de 2015

Brincar é coisa séria

É interessante notar o movimento que se consolidou em nossa sociedade, referente à necessidade de buscar uma educação infantil onde prioritariamente, o ensino prevaleça sobre o livre brincar. Conheço escolas onde as coordenadoras a apresentam afirmando, orgulhosamente: "Fique tranquila pois aqui seu filho não ficará brincando não... Aqui a coisa é séria, oferecemos um ensino de qualidade, pois pensamos no seu futuro".


É preciso respirar e olhar com muito amor para essas pessoas. Não duvido de suas boas intenções. E vejo que elas realmente acreditam que uma educação de qualidade deve basear-se no futuro. Contudo essa mentalidade é fruto de um período onde a humanidade aprendeu que conhecimento intelectual era a base de tudo e infelizmente relegou o fato de que outros conhecimentos são tanto quanto, ou até mais importantes do que esse. Afinal de contas, se nos baseamos no futuro, onde fica nossa base de hoje, do agora, do presente? Como funciona, por exemplo, a construção de um edifício? Um projeto é criado determinando um certo número de andares, mas se não investirem grande parte do material no alicerce, como chegarão até lá? A vivência do momento, o chão do dia a dia precisa estar muito bem estruturado, pois somente a solidez do presente é capaz de nos levar a um futuro sadio. Se eu penso no adulto de amanhã, deixo de olhar para o ser em desenvolvimento pleno, para a criança feliz e tranquila que está ao meu lado hoje. A partir do momento que estimulo competências que surgirão naturalmente alguns anos depois, atrofio qualidades legítimas e extremamente dispostas a desabrocharem no período adequado. Cria-se a criança reprimida de hoje e o adulto ansioso de amanhã.

Talvez não seja claro perceber o quanto tais questões estão associadas ao número cada vez mais crescente de indivíduos que ao atingirem a tão esperada maturidade, encontram-na somente a nível etário. Psicologicamente falando, permanecem imaturos e completamente distantes de si. É visível a frequente ausência de significado e o extremo vazio existencial que permeiam a grande massa da humanidade. E neste cenário, a moderna indústria farmacêutica é a única que tem obtido lucros exorbitantes, pois apresenta como solução, o mesmo ingrediente daquela educação que, quando crianças, essa grande massa recebeu: pressa. A pressa em ensinar (somada a uma maré de outros imediatismos) converte-se na pressa em remediar. Feito! Instalou-se o grande círculo vicioso. 

À luz da Antroposofia, podemos compreender com mais profundidade, o que parece estar por trás dessas situações. Steiner, seu fundador, despertou interesse e demonstrou sensibilidade por assuntos espirituais, ainda na infância. Mais tarde, sua capacidade de perceber um mundo que grande parte das pessoas ainda nega, nos presenteou com valiosos conceitos e verdades que devem ser reverenciadas. Foi ele também que deu origem à Pedagogia Waldorf, pautada em um ensino voltado a formar indivíduos, não meramente informá-los; há uma ênfase no desenvolvimento integral do ser humano, incentivando-se a autoconfiança, a consciência e a criatividade. Em sua autobiografia, Steiner admite que "a experiência do que é possível vivenciar no mundo espiritual sempre fora, para mim, algo natural; já a compreensão perceptiva do mundo sensorial me trazia as maiores dificuldades." E é com base nessa genuína e inata potencialidade, que ele nos trouxe o conhecimento que descrevo a seguir.  

Poucos dias antes da fecundação, o ser que está prestes a encarnar, articula uma organização cósmica composta pela nossa essência supra-sensível (eu, corpo astral e corpo etérico - vide literatura antroposófica). Para que se efetive essa encarnação precisamos, obviamente, de um corpo físico e por isso, a necessidade de haver um pai e uma mãe biológicos. É então através da sabedoria da organização então mencionada, que o ser escolhe aqueles pais portadores das características necessárias a fim de que possa expressar seu conteúdo essencial. Por volta da terceira semana de gestação, ocorre a encarnação a nível intra-uterino. Será somente ao nascer, e através da primeira respiração, que aquela nova criatura irá finalmente unir sua organização cósmica ao seu corpo físico. Consolida-se a encarnação.



Notemos, no entanto, que acontece um fato muito interessante. O único conteúdo realmente herdado é o corpo físico, ou seja, é a estrutura densa necessária para que aquele indivíduo possa se expressar na Terra. Quando, portanto, o bebê inspira pela primeira vez, ele chora e é precisamente nesse momento, que ele se dá conta de que está preso a um corpo que até então, não lhe pertencia. Ele terá alguns anos pela frente, mais precisamente, seus primeiros sete anos, para se moldar a esse espaço e aprender a expressar-se através dele. 

Atentemo-nos ao fato de que é justamente nessa fase, do nascimento aos sete anos de idade, que a criança apresenta episódios febris muito frequentes, e é também neste intervalo que costumam surgir as doenças infantis comuns (catapora, sarampo, etc). O calor é o portador do eu, e o único meio do nosso eu ligar-se ao corpo físico, é através do desenvolvimento. Pois bem, segundo a Antroposofia, esses estados febris são extremamente necessários e naturais, pois é por meio deles que a criança passa a eliminar as substâncias adquiridas pela hereditariedade e que naturalmente, não estão de acordo com a sua individualidade.  As febres infantis são, portanto, uma tentativa do eu penetrar mais intensamente no organismo.

Entretanto, hoje em dia há um certo desespero dos pais quando os filhos apresentam um quadro febril e a medida imediata é medicá-los afim de diminuir a temperatura corpórea. Carecem, no entanto, da compreensão da sabedoria existente por trás desse movimento natural do organismo, e acabam impedindo essa instintiva expulsão.

Se fizermos um paralelo entre essa explanação e o que foi dito no início, podemos concluir que ao inibirmos esse processo espontâneo, interrompemos o fluxo de encontro do ser com sua própria essência, pois na medida em que ele se desfaz das substâncias que não lhes corresponde, aumenta a produção das suas próprias e isso lhe confere cada vez mais autenticidade. Portanto, embora acreditemos estar amenizando um problema, ao oferecer alívio físico, estamos na verdade, postergando o natural desabrochar desta alma, que desde tenra idade tenta seguir adiante munida de sua sabedoria espiritual. E nós, pautados na ilusória conquista da medicina materialista, o conduzimos ao lugar onde paramos, ao invés de avançarmos rumo ao seu conhecimento intrínseco. 

Posteriormente, seguimos acreditando nas soluções imediatas e assim, optamos por escolas que continuem escravizando a individualidade dos nossos filhos. É comum pais preocupados com o fato dos filhos irem mal na escola porque não estudam. Mas será que já se perguntaram se eles vão mal na escola porque não brincam, porque possuem agendas lotadas, ou porque simplesmente não têm (ou não tiveram) tempo de serem crianças? A consequência são adultos esvaziados e desconectados de quem realmente são. Na melhor das hipóteses, tendem a buscar processos terapêuticos no intuito de resgatar aquilo que a natureza havia lhes oferecido gratuitamente. Muitas vezes por medo ou pura ingenuidade, não somos capazes de permitir que nossos filhos exerçam a livre expressão, o livre brincar, e outras inúmeras espontaneidades que naturalmente transbordam de dentro de seu espírito. Aquilo que não foi cultivado, acaba perdido; e mais tarde eles correrão atrás daquilo que os próprios pais lhes privaram: o encontro consigo mesmo.

Talvez tenhamos que buscar dentro de nós mesmos as respostas que já sabemos. Pois ao que parece, a grande maioria dos seres humanos não encontrou nem a si mesmo. E justamente por isso, torna-se impossível levar o outro adiante.  



"A criança não está no mundo apenas para tornar-se adulto, mas também, e principalmente, para poder ela mesma ser uma criança e, como criança, uma parte da humanidade." Guardini