O ditado “Filho de
peixe, peixinho é” tende a cair em desuso, na medida em que evoluímos e
passamos a compreender o quanto é limitante expressarmos somente o que
aprendemos através do discurso e da convivência familiar. “Somente”,
porque a vivência que temos em casa representa apenas a ponta do iceberg no que
se refere às inúmeras possibilidades que a vida traz, e também porque
dependendo do ambiente onde uma criança cresce, os estímulos podem ser
extremamente pobres e escassos. E a ela restará duas alternativas: sentar em
cima do que recebeu (ser o peixinho) ou utilizar a experiência como degrau e ir
em busca de muito mais (ser o que realmente é).
Hoje em dia, as diversas
técnicas psicoterápicas, bem como os inúmeros caminhos de desenvolvimento
pessoal, têm ampliado as possibilidades de autoconhecimento. O que antes era
visto como sinal de egocentrismo ou até mesmo de loucura, atualmente é encarado
como uma opção extremamente saudável.
Entretanto, é preciso
estar atento ao fato de que a partir do momento que optamos pela verdade, todo
ambiente ao nosso redor passará pelas possíveis transformações decorrentes
dessa escolha. Quando uma pessoa resolve ser diferente daquilo que vinha sendo
durante um tempo, sua atitude surtirá efeito sobre todos os que estão a sua
volta. E a tendência de tentarem “segurar” o indivíduo na posição que lhes era
conhecida, é muito grande.
Aqui, como de costume,
vamos nos ater às figuras parentais. Alguns
pais apresentam um medo inconsciente frente ao desenvolvimento pessoal do filho
por diversos motivos. Embora isso soe estranho, foi em 1915 que Freud observou em alguns de seus pacientes, um fenômeno que
classificou como "o medo do sucesso". Apesar de mãe e pai, aparentemente, desejarem que seus filhos sejam melhores do que eles, nem sempre essa é uma
verdade genuína. Segundo Jean-Yves Leloup, se um filho se torna mais rico ou
mais feliz do que seus pais, ele lhes escapa, sai da família. E
inconscientemente os pais seguram seus filhos no mesmo estado em que
eles pararam.
Por isso, por melhores
que sejam as ações dos pais ao oferecer para os filhos tudo o que podem - fator
muito comum através do quesito financeiro - seu inconsciente poderá estar
trabalhando contra o progresso do filho. Mães que por algum motivo
foram omissas nos primeiros anos de vida da criança (incluindo a gestação), sentem uma necessidade
extrema de, mais tarde, compensar tal falta de diversas maneiras a fim de não se distanciarem (mais!) do filho. Entretanto, apesar de existirem pessoas capazes de vender a alma pelo outro, há sempre
uma espera velada de que este outro as recompensem por isso.
Bebês exigem muito cuidado e nesta fase a mãe é pura entrega. É uma doação constante de carinho e atenção. Contudo, existem mães, que por lacunas da própria infância, não conseguem dar conta de cuidar sem serem cuidadas, e acabam deixando a mensagem subliminar de
que deve haver uma troca, e não uma entrega. É comum, no entanto, que passados os primeiros e mais delicados anos, tal mãe
passe a fazer cada vez mais pelo filho (superprotegendo-o a ponto de sufocá-lo), pois
sua psique quer compensar o que não foi capaz de fazer antes. Entretanto, a
falta sentida na primeira vinculação deixa marcas profundas e a carência já se
instalou. Mães que se perdem na ilusão altruísta de tentarem salvar os
filhos, estão muitas vezes, buscando salvar a si mesmas.
É claro que os pais, em geral, buscam fazer o melhor que podem para seus filhos. Mas a
maternidade (e a paternidade) evoca sentimentos inconscientes da própria vivência como filha (o) que podem ser conflitantes entre si. Por isso a importância do autoconhecimento principalmente por parte
dos pais e se possível, antes de tornarem-se educadores! Homens e mulheres que reconhecem seus conflitos serão naturalmente menos
reprimidos e mais autênticos não só em casa, mas em todas as suas relações.
Um dos grandes dilemas deste tipo de cuidado, refere-se ao fato do personagem incorporado ser paradoxal. Existe uma obrigação aprendida de ser o salvador da pátria. Há uma necessidade extrema de ser educado, gentil, prestativo e
tolerante. É o famoso “bonzinho”... E por ser aparentemente assim, não enxerga
seu lado controlador, perfeccionista, ansioso, autoritário, excessivamente otimista, dono da razão e emocionalmente inseguro. Porém os filhos percebem essa ambiguidade e isso os confunde, é praticamente uma chantagem emocional: "Eu faço tudo por vocês, mas exijo respeito e submissão." É um fazer condicional.
Muitas vezes esse tipo
de relação advém de um distúrbio conhecido como co-dependência. A psicóloga Bel César adverte que, "uma atitude co-dependente pode parecer positiva, paciente e generosa, pois está baseada nas melhores das intenções, mas na realidade é exagerada, inadequada e intrusa."
No caso da mãe co-dependente, esta precisa
sentir-se útil, aceita e amada a todo custo, e acaba repetindo os mesmos comportamentos ineficazes da sua própria infância na tentativa de não sentir a dor do abandono mais uma vez. Para isso cria, com os filhos,
uma relação de dependência mútua. Ela precisa sentir que seus filhos dependem
dela para sentir-se viva. E por isso, não cria os filhos para o mundo, os cria
para temer o mundo, apesar de acreditar piamente que participa da primeira
categoria. Inconscientemente, há uma vitimização: "Sou coitada, mas veja
como sou forte e o que eu tenho de suportar por vocês", explica Zampieri,
psicóloga estudiosa da co-dependência. A consequência são futuros adultos que vão buscar
em seus relacionamentos esse mesmo cuidado
compulsivo, que nada mais é do que um pedido de socorro: “Faço muito por você,
mas espero que você também faça por mim”.
Em um texto publicado na
Folha de São Paulo, o autor faz uma interessante análise baseada na origem do
termo co-dependência, como sendo uma derivação do termo co-alcoólatra. Segue
link para maiores informações:
Identificar a existência
de um afeto mal canalizado é o primeiro passo para que o mesmo possa voltar a
fluir livremente pelo psiquismo. Entretanto, essa conscientização pode ser
difícil. A tendência inicial é o indivíduo negar e resistir tanto às percepções
da forma como atua, quanto às mudanças que elas podem promover. Contudo, é
importante lembrar que a verdade nunca é mais dolorosa do que o que escondemos
de nós mesmos.
Filho de peixe pode e
deve ser muito mais do que um mero peixinho, uma mera repetição... Mas para isso, é preciso ter forças para trilhar por um caminho diferente daquele
que, apesar de conhecido, limita infinitamente seu potencial.