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Aqui você vai encontrar... Artigos, vídeos, sites, blogs, curiosidades, mães e demais interessados em oferecer uma Educação capaz de respeitar nossas crianças!

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Blog em novo endereço

Olá queridos leitores!

Após alguns meses em manutenção, o blog está de cara nova!

Fui convidada para ser uma das autoras do Portal Vila Mamífera, uma rede de blogs de maternidade ativa. Por isso o blog ganhou um novo nome: "Maternidade Presente" e está cheio de novidades...

Entrem e sejam bem-vindos:   vilamamifera.com/maternidadepresente

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Festas Juninas - por que mesmo elas acontecem?


As festas juninas ocorrem no início do inverno e estão ligadas à história de São João Batista, nascido no dia 24 de junho. Seus pais, Isabel e Zacarias, eram pessoas consideradas justas diante de Deus, e sempre desejaram ter um filho. Mas embora orassem muito, o tempo se passava e seu desejo não se realizava.  Um belo dia um anjo apareceu para Zacarias dizendo: "Sua mulher Isabel dará à luz um menino, ao qual você dará o nome de João. Ele virá para vocês porque - como vocês - ele deseja servir o filho de Deus. João será o divino mensageiro do filho de Deus e virá antes dele." 

Isabel e Maria eram primas e logo esta soube que Isabel estava esperando um bebê. Maria ficou muito feliz, mas por morar longe dali e pelas dificuldades de comunicação, ficou apreensiva pois gostaria de receber a notícia do nascimento logo que este se concretizasse. Isabel decidiu então, que uma grande fogueira seria acesa e um mastro seria erguido para que a prima recebesse o recado. Passado algum tempo, tudo ocorreu conforme haviam combinado. Maria avistou os sinais e compreendeu a feliz mensagem.

Por isso, a época de São João passou a ser comemorada desta forma, através de fogueiras, mastros e fogos, além de danças e diversas atividades típicas. A fogueira é também simbolizada pela oportunidade da humanidade queimar tudo aquilo que não serve mais, abrindo espaço para o novo que ilumina e traz transformações. Essa fase pede uma conscientização mais universal e menos pessoal, baseada na percepção de que somos parte do Universo Cósmico. É uma festa que clama pelo olhar do ser humano aos céus, nos lembrando que somos um tesouro escondido,  e que vivemos como semente mas ainda temos muito o que crescer para que nosso potencial se realize. Somos muito pouco perto de tudo o que somos capazes de ser, por isso os anjos e todo o céu esperam pela nossa maturação.

A mensagem que João Batista deixou aos seus seguidores é a seguinte: “Mudem seus corações e suas mentes, para se prepararem para o grande evento que está por vir; precisam verdadeiramente mudar a direção dos seus pensamentos e sentimentos!” Vemos, portanto, que há muitos anos a necessidade de mudanças internas foi anunciada... E cabe a cada um de nós refletir se estamos caminhando rumo a um posicionamento mais consciente ou se estamos acomodados simplesmente vendo a vida passar. Como disse Dalai Lama: “O ser humano vive como se não fosse morrer e morre sem ter vivido.” Será realmente este o exemplo que devemos dar aos nossos filhos?

As crianças ficam encantadas com as comemorações dessa época. Nunca é demais lembrar que elas vivem essa atmosfera de maneira inconsciente, pois toda essa simbologia está impregnada em seu ser. As histórias e as cantigas típicas são repletas de profundo significado e ao compartilharmos com os pequenos, oferecemos também calor e aconchego, pois eles sentem coerência entre aquilo que vivenciam internamente e aquilo que lhes é apresentado através do mundo.


Balões de Luz
(Ruth Salles)

Aqui,

Na noite antiga de garoa e frio fino,
Subiam balões de luz

Em honra do primo de Jesus,
São João Menino.

E em nosso coração
Cada balão,

Subindo rápido e em linha reta,
Era o próprio João Menino,

Se transformando em João Profeta.

Era o profeta

Que parecia o clarão da madrugada,
Antecedendo a chegada

Do grande Sol nascente, da maior luz:
O Cristo Jesus.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Festa da Lanterna - o que é isso?


Essa é uma pergunta comum que pais de alunos Waldorf escutam quando convidam seus familiares para irem à Festa da Lanterna na escola de seus filhos. E por ser uma celebração tão especial, merece ser integralmente compreendida por quem se interessar...

A Festa da Lanterna é uma linda e delicada comemoração de origem europeia, que hoje é tradicionalmente celebrada em todos os jardins de infância das Escolas Waldorf, na época que antecede as festas de São João.

Seu simbolismo é claramente expresso na história da menina da lanterna, que vale a pena ser lida!


Seus personagens passam por diversas situações que ilustram o caminho de autoconhecimento que cada um percorre em sua vida através da busca pela luz interior. Uma nova consciência que provoca transformações profundas e só pode ser realmente plena quando compartilhada para o bem de todos.

A chegada do inverno traz uma sensação de frio quando nos referimos ao meio ambiente, mas em contrapartida também pode nos remeter a uma atmosfera de calor interno ao observarmos o movimento introspectivo que essa estação nos propõe. É justamente nessa época que a festa da lanterna acontece. Por isso, as crianças não precisam compreender racionalmente o significado da comemoração, lhes cabe apenas sentir a quietude que a natureza traz e ao mesmo tempo vivenciar inconscientemente e livre de conceitos, a magia desse momento através de músicas, contos e atividades típicas. Quanto menor a criança, mais sutis deverão ser os gestos de pais e professores, desadormecendo suavemente aquilo que vive em estado latente na alma humana, e espera ser despertado.

Na história, cada passagem ilustra um momento no percurso do desenvolvimento pessoal, conforme será explanado a seguir. 

A personagem principal é uma menina que caminha segurando uma lanterna, e logo no início é surpreendida pelo vento que apaga sua luz. Esse momento simboliza a necessidade do ser humano iniciar um caminho de autoconhecimento a fim de reencontrar-se com sua luminosidade interior.

À medida que segue seu caminho depara-se com diversos animais, os quais representam nossos instintos básicos que precisam ser dominados com o propósito de acordarmos para além do mundo material que nos cerca.

Em seguida, as estrelas, canal cósmico entre os homens e a sabedoria plena, a aconselham transmitindo coragem para que a menina siga sua peregrinação.

Logo ela estará defronte aos três princípios básicos que regem a nossa vida: o pensar, o querer e o sentir. Respectivamente simbolizados pela velha que tece o fio do pensamento, o sapateiro que com sua força de vontade e ação nos mantém com os pés no chão e a criança da bola que vivencia o mundo através da liberdade de seus sentimentos. Embora a menina solicite a ajuda de ambos, estes também lhe negam auxílio.

Ela decide então continuar sozinha, mas por estar muito cansada acaba adormecendo. Os vários "nãos" que recebe ao trilhar seu caminho representam uma escolha solitária que exige coragem e persistência. Quando então desperta, percebe que sua lanterna está acesa e fica muito feliz. Tal postura reflete o movimento de entrega a um plano maior, pois somente através da fé podemos nos reencontrar com nosso potencial interior.

A menina inicia alegremente seu retorno. Quando caminha de volta, vai revendo cada um daqueles com quem se deparou na ida e devido à transformação e ao crescimento, provenientes da sua iluminação, oferece auxílio a cada um deles; o que denota que todo processo de desenvolvimento só é válido quando compartilhado com os demais. Sua doação ao iluminar o caminho, inclusive dos animais, mostra que reconhece seus instintos e é capaz de dominar seu mundo interior.


No dia da festa na Escola Waldorf de São Paulo, os alunos do Ensino Médio apresentam a peça da “Menina da Lanterna” para as crianças da Educação Infantil, pais e demais convidados. Logo em seguida os pequenos buscam suas lanternas, confeccionadas carinhosamente por eles e seus pais, e fazem um passeio pela escola cantando lindas canções da época. Quando as crianças aparecem é difícil perceber se o que brilha mais são seus olhinhos cheios de orgulho ou suas lindas lanternas à luz de vela. Afinal de contas, é motivo de muito entusiasmo participarem de uma festa à noite, sendo muitas vezes a primeira festinha ao luar de cada um!

Eu vou com minha lanterna
 (música)

Eu vou com minha lanterna
E ela comigo vai
No céu brilham estrelas
Na terra brilhamos nós

A luz se apagou
Pra casa eu vou
Com minha lanterna na mão

Minha luz vou levando
Sempre dela cuidando
Se alguém precisar
Dela posso lhe dar

terça-feira, 5 de maio de 2015

Ser mãe ou ter filhos?

“Ser mãe nos dias atuais não é fácil”. Essa é uma das frases que mais escuto tanto na vida pessoal, quanto no consultório. E eu me pergunto: ser mãe nos dias atuais realmente não é fácil ou tudo está cada vez mais tão mastigado, que dá uma certa preguiça de exercer funções impossíveis de serem facilitadas?

O fato é que ser mãe tem deixado de ser um papel de ordem natural e tem assumido um caráter opcional: ser mãe ou ter filhos. São posições que ao invés de complementares, passaram a ser excludentes entre si.  Ser mãe é antes de mais nada, agir de acordo com sua essência e ouvir o próprio coração dizer: "Eu quero ser mãe!". Enquanto ter filhos implica uma regra pré-estabelecida baseada em expectativas sociais: "Eu devo ter filhos." Ser mãe tem perdido espaço frente às mudanças que o cenário atual tem proporcionado à sociedade, mas ter filhos é imperativo clássico para aqueles que querem pertencer a nichos aceitos e convencionais. 

Parece mais fácil seguir o rebanho, sem questionamentos profundos, e manter-se fiel à crença simplista de que nascemos para constituir uma família. Essa mentalidade dá origem a uma pseudo-maternidade, repleta de atitudes mecânicas e desprovida de reais emoções. Muito mais humano, é refletir sobre tudo que envolve essa escolha: renúncias, transformações e preocupações sim. Mas acima de tudo, a possibilidade de vivenciar o amor mais genuíno que existe no mundo com a consciência de que "Vossos filhos, não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da Vida por si mesma. Vem através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem." Gibran Kahlil Gibran

A consequência dessa possível apatia é a proliferação de mães por acaso. Elas ouvem o primeiro “mamãe” pelo celular, assistem ao primeiro passo pelo ipad, sabem do primeiro namorado pelo facebook, falam com seus filhos pelo whatsapp,  saem de casa quando eles estão dormindo e voltam quando já é o dia de seu casamento. Vivem uma vida distante, respiram um vazio constante e se queixam de como o tempo voa.




Mulheres que abrem mão de um dom que só elas possuem, em nome de atributos e títulos que qualquer um pode obter. Cada vez mais o universo feminino ganha status e poder, mas perde o instinto de gerar e nutrir seu próprio rebento.  Mulheres dispostas a conduzir empresas com milhares de funcionários, mas incapazes de encarar o parto do próprio filho, amamentá-lo, oferecer-lhe educação e direcioná-lo de maneira saudável ao mundo. Os méritos advindos do ingresso da mulher no mercado de trabalho podem ser muitos, mas as perdas decorrentes desta opção custam vidas que não voltam no tempo e arrependimentos que chegam tarde demais.

Ser mãe é simples, basta ressoar com a natureza. Mas há tantos manuais de instruções, que mãe de verdade está se tornando uma espécie em extinção. O bombardeio de cursos já começa durante a gestação e persiste até a adolescência: como parir, como amamentar, como dar banho, como vestir, como dormir, como educar, como conversar, como ser uma mãe nota dez e por aí vai. Uma busca ansiosa por respostas externas, e pouca paciência para encontrar dentro de si as verdadeiras soluções. Não há tempo para ouvir a intuição, talvez porque não seja uma fórmula a ser seguida e sim sentida. Contudo, encontra-se espaço para ouvir qualquer suposto saber que precisou ler e estudar muito para se deparar com tudo aquilo que a mulher já nasceu sabendo. É a protagonista entregando seu papel ao coadjuvante.

O momento pede que as mulheres reflitam sobre seu verdadeiro lugar no mundo para que sejam capazes de agir a partir de sua essência e não a partir da expectativa alheia. Muitas vezes passam a vida sendo aquilo que a sociedade ou qualquer outra pessoa espera delas. E infelizmente é o caminho mais curto para se perderem de quem realmente são e se distanciarem de sua missão de vida, tão única e insubstituível, quanto os filhos que puderam conceber.


"Mãe é a pele da gente." (Ana Milena Hurtado, 5 anos)

terça-feira, 31 de março de 2015

Páscoa - um convite ao recolhimento

"Não haverá borboletas, se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses." Rubem Alves

A Páscoa é o momento do ano especialmente dedicado à transformação e ao renascimento. Basta olharmos para a natureza, e contemplarmos seu ritmo. O outono é a estação do ano que ocorre depois do verão e antes do inverno sendo, portanto, um momento de transição entre duas temperaturas bem marcantes. A palavra "páscoa" vem do hebraico "pessach", que significa passagem. As folhas amarelam e os frutos maduros caem no chão, dando espaço aos que virão. É chegada a hora de abrir espaço para o novo.

Na religião cristã, a páscoa representa a glória da ressurreição de Cristo. A semana Santa começa com o Domingo de Ramos, que nos remete à entrada de Jesus em Jerusalém. Segue a semana com a condenação da figueira, o encontro com adversários no templo, a unção/ lava pés e a santa ceia. Na Sexta Feira Santa, Cristo resgata para o ser humano a sua herança espiritual, quando ocorre a crucificação de Jesus. E no domingo celebra-se de fato, a Ressurreição de Cristo.

É triste notar que a cultura em que estamos inseridos não tem tempo para respirar, nem tempo de deixar qualquer tipo de transformação interna ocorrer porque tem pressa de ter cada vez mais, e ser cada vez menos. Assim como a lagarta se entrega ao processo de metamorfose e torna-se borboleta, a época da páscoa nos convida a deixar morrer em nós aquilo que não nos serve mais, para posteriormente colher os frutos dessa abençoada entrega, e renascer. Se a lagarta não respeitasse o tempo que lhe é oferecido para que fosse aquecida e transformada, jamais se tornaria uma borboleta. Somente após fechar-se em seu casulo escuro, seu corpo pesado é agraciado com a leveza das asas com as quais é presenteada. Assim também devemos olhar para o nosso escuro interior, a fim de que renasça em nós a possibilidade de uma existência mais plena. 


É comum, no entanto, evitarmos qualquer tipo de trégua, pois tal circunstância nos remete, erroneamente, à preguiça. Na verdade, interrupções são necessárias para que novas e produtivas energias ganhem espaço. O outono não é preguiçoso, nem inerte, pelo contrário, sem ele, não haveria a possibilidade da natureza angariar forças para seguir adiante em um cenário repleto de novas movimentações. Da mesma forma, somente ao nos permitirmos momentos de relaxamento e introspecção, seremos capazes de produzir com qualidade, ao invés de investirmos incansavelmente na quantidade, que acaba por muitas vezes, pecando pela sua precariedade.

Há um movimento também, ou principalmente, no ato de interromper. A suspensão exige tanta força e até mesmo mais coragem, do que o impulso de fazer. Mas infelizmente, vivemos na ilusão da frase: “Cabeça vazia, oficina do diabo” e temos medo de parar. A falta de intimidade que cada um tem consigo, e a consequente falta de autoconhecimento, alimenta a crença de que é preciso ter a mente repleta de compromissos e pensamentos. E isso impede o ser humano de entrar em contato com o porto seguro que é o interior de seu Ser.

Nossas crianças com certeza são quem mais precisam ter respeitados seus momentos de recolhimento. Porém, elas dependem de pais exemplares, que exerçam diariamente suas pausas, pois é através da imitação que elas mais aprendem. Sabemos que nem sempre conseguimos ser exatamente aquilo que gostaríamos que nossos filhos fossem. Entretanto, dar-se conta dessa falta, é o primeiro passo para que alguma mudança interna ocorra. Interna, pois de nada adianta falar uma coisa e sentir outra; sem dúvidas essa ambiguidade será notada e confundirá ainda mais a criança. 

A celebração da Páscoa pode ser feita de maneira sutil, transmitindo delicadamente o profundo significado da época. Talvez seja uma questão de simplesmente deixar os pequenos vivenciarem aquilo que animicamente já lhes é oferecido. Naturalmente o universo infantil está muito próximo ao mundo espiritual, basta não atrapalhar inundando sua sensibilidade com o conceito consumista que costuma poluir a sociedade em ocasiões como esta.

Isso não significa abolir os coelhinhos, os ovos e a parte lúdica da comemoração. Mas sim apresentá-los de uma forma menos mascarada. Mostrar não somente um coelho, mas o coelho que representa a fertilidade e a capacidade de gerar muitas vidas; não apenas um ovo de chocolate, mas o ovo como fonte da vida em potencial. Ao contar histórias, recitar poemas ou cantar músicas, priorizar aquelas onde esses simbolismos apareçam de uma maneira não distorcida (http://www.festascristas.com.br/pascoa/pascoa-historias). Tais atitudes são fundamentais para que cada criança possa sentir coerência entre o que vive sua alma, e aquilo que se apresenta ao seu redor.

"O que acontece no ambiente físico, a criança imita. Isso inclui todas as ações morais e imorais, inteligentes e tolas que a criança possa perceber. Não são, pois, as sentenças morais nem os ensinamentos da razão que atuam nesse sentido sobre as crianças, mas apenas o que os adultos fazem em sua redondeza." Rudolf Steiner


sábado, 7 de março de 2015

Brincar é coisa séria

É interessante notar o movimento que se consolidou em nossa sociedade, referente à necessidade de buscar uma educação infantil onde prioritariamente, o ensino prevaleça sobre o livre brincar. Conheço escolas onde as coordenadoras a apresentam afirmando, orgulhosamente: "Fique tranquila pois aqui seu filho não ficará brincando não... Aqui a coisa é séria, oferecemos um ensino de qualidade, pois pensamos no seu futuro".


É preciso respirar e olhar com muito amor para essas pessoas. Não duvido de suas boas intenções. E vejo que elas realmente acreditam que uma educação de qualidade deve basear-se no futuro. Contudo essa mentalidade é fruto de um período onde a humanidade aprendeu que conhecimento intelectual era a base de tudo e infelizmente relegou o fato de que outros conhecimentos são tanto quanto, ou até mais importantes do que esse. Afinal de contas, se nos baseamos no futuro, onde fica nossa base de hoje, do agora, do presente? Como funciona, por exemplo, a construção de um edifício? Um projeto é criado determinando um certo número de andares, mas se não investirem grande parte do material no alicerce, como chegarão até lá? A vivência do momento, o chão do dia a dia precisa estar muito bem estruturado, pois somente a solidez do presente é capaz de nos levar a um futuro sadio. Se eu penso no adulto de amanhã, deixo de olhar para o ser em desenvolvimento pleno, para a criança feliz e tranquila que está ao meu lado hoje. A partir do momento que estimulo competências que surgirão naturalmente alguns anos depois, atrofio qualidades legítimas e extremamente dispostas a desabrocharem no período adequado. Cria-se a criança reprimida de hoje e o adulto ansioso de amanhã.

Talvez não seja claro perceber o quanto tais questões estão associadas ao número cada vez mais crescente de indivíduos que ao atingirem a tão esperada maturidade, encontram-na somente a nível etário. Psicologicamente falando, permanecem imaturos e completamente distantes de si. É visível a frequente ausência de significado e o extremo vazio existencial que permeiam a grande massa da humanidade. E neste cenário, a moderna indústria farmacêutica é a única que tem obtido lucros exorbitantes, pois apresenta como solução, o mesmo ingrediente daquela educação que, quando crianças, essa grande massa recebeu: pressa. A pressa em ensinar (somada a uma maré de outros imediatismos) converte-se na pressa em remediar. Feito! Instalou-se o grande círculo vicioso. 

À luz da Antroposofia, podemos compreender com mais profundidade, o que parece estar por trás dessas situações. Steiner, seu fundador, despertou interesse e demonstrou sensibilidade por assuntos espirituais, ainda na infância. Mais tarde, sua capacidade de perceber um mundo que grande parte das pessoas ainda nega, nos presenteou com valiosos conceitos e verdades que devem ser reverenciadas. Foi ele também que deu origem à Pedagogia Waldorf, pautada em um ensino voltado a formar indivíduos, não meramente informá-los; há uma ênfase no desenvolvimento integral do ser humano, incentivando-se a autoconfiança, a consciência e a criatividade. Em sua autobiografia, Steiner admite que "a experiência do que é possível vivenciar no mundo espiritual sempre fora, para mim, algo natural; já a compreensão perceptiva do mundo sensorial me trazia as maiores dificuldades." E é com base nessa genuína e inata potencialidade, que ele nos trouxe o conhecimento que descrevo a seguir.  

Poucos dias antes da fecundação, o ser que está prestes a encarnar, articula uma organização cósmica composta pela nossa essência supra-sensível (eu, corpo astral e corpo etérico - vide literatura antroposófica). Para que se efetive essa encarnação precisamos, obviamente, de um corpo físico e por isso, a necessidade de haver um pai e uma mãe biológicos. É então através da sabedoria da organização então mencionada, que o ser escolhe aqueles pais portadores das características necessárias a fim de que possa expressar seu conteúdo essencial. Por volta da terceira semana de gestação, ocorre a encarnação a nível intra-uterino. Será somente ao nascer, e através da primeira respiração, que aquela nova criatura irá finalmente unir sua organização cósmica ao seu corpo físico. Consolida-se a encarnação.



Notemos, no entanto, que acontece um fato muito interessante. O único conteúdo realmente herdado é o corpo físico, ou seja, é a estrutura densa necessária para que aquele indivíduo possa se expressar na Terra. Quando, portanto, o bebê inspira pela primeira vez, ele chora e é precisamente nesse momento, que ele se dá conta de que está preso a um corpo que até então, não lhe pertencia. Ele terá alguns anos pela frente, mais precisamente, seus primeiros sete anos, para se moldar a esse espaço e aprender a expressar-se através dele. 

Atentemo-nos ao fato de que é justamente nessa fase, do nascimento aos sete anos de idade, que a criança apresenta episódios febris muito frequentes, e é também neste intervalo que costumam surgir as doenças infantis comuns (catapora, sarampo, etc). O calor é o portador do eu, e o único meio do nosso eu ligar-se ao corpo físico, é através do desenvolvimento. Pois bem, segundo a Antroposofia, esses estados febris são extremamente necessários e naturais, pois é por meio deles que a criança passa a eliminar as substâncias adquiridas pela hereditariedade e que naturalmente, não estão de acordo com a sua individualidade.  As febres infantis são, portanto, uma tentativa do eu penetrar mais intensamente no organismo.

Entretanto, hoje em dia há um certo desespero dos pais quando os filhos apresentam um quadro febril e a medida imediata é medicá-los afim de diminuir a temperatura corpórea. Carecem, no entanto, da compreensão da sabedoria existente por trás desse movimento natural do organismo, e acabam impedindo essa instintiva expulsão.

Se fizermos um paralelo entre essa explanação e o que foi dito no início, podemos concluir que ao inibirmos esse processo espontâneo, interrompemos o fluxo de encontro do ser com sua própria essência, pois na medida em que ele se desfaz das substâncias que não lhes corresponde, aumenta a produção das suas próprias e isso lhe confere cada vez mais autenticidade. Portanto, embora acreditemos estar amenizando um problema, ao oferecer alívio físico, estamos na verdade, postergando o natural desabrochar desta alma, que desde tenra idade tenta seguir adiante munida de sua sabedoria espiritual. E nós, pautados na ilusória conquista da medicina materialista, o conduzimos ao lugar onde paramos, ao invés de avançarmos rumo ao seu conhecimento intrínseco. 

Posteriormente, seguimos acreditando nas soluções imediatas e assim, optamos por escolas que continuem escravizando a individualidade dos nossos filhos. É comum pais preocupados com o fato dos filhos irem mal na escola porque não estudam. Mas será que já se perguntaram se eles vão mal na escola porque não brincam, porque possuem agendas lotadas, ou porque simplesmente não têm (ou não tiveram) tempo de serem crianças? A consequência são adultos esvaziados e desconectados de quem realmente são. Na melhor das hipóteses, tendem a buscar processos terapêuticos no intuito de resgatar aquilo que a natureza havia lhes oferecido gratuitamente. Muitas vezes por medo ou pura ingenuidade, não somos capazes de permitir que nossos filhos exerçam a livre expressão, o livre brincar, e outras inúmeras espontaneidades que naturalmente transbordam de dentro de seu espírito. Aquilo que não foi cultivado, acaba perdido; e mais tarde eles correrão atrás daquilo que os próprios pais lhes privaram: o encontro consigo mesmo.

Talvez tenhamos que buscar dentro de nós mesmos as respostas que já sabemos. Pois ao que parece, a grande maioria dos seres humanos não encontrou nem a si mesmo. E justamente por isso, torna-se impossível levar o outro adiante.  



"A criança não está no mundo apenas para tornar-se adulto, mas também, e principalmente, para poder ela mesma ser uma criança e, como criança, uma parte da humanidade." Guardini

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Mães que amam demais - O que está por trás da ajuda excessiva?

O ditado “Filho de peixe, peixinho é” tende a cair em desuso, na medida em que evoluímos e passamos a compreender o quanto é limitante expressarmos somente o que aprendemos através do discurso e da convivência familiar.  “Somente”, porque a vivência que temos em casa representa apenas a ponta do iceberg no que se refere às inúmeras possibilidades que a vida traz, e também porque dependendo do ambiente onde uma criança cresce, os estímulos podem ser extremamente pobres e escassos. E a ela restará duas alternativas: sentar em cima do que recebeu (ser o peixinho) ou utilizar a experiência como degrau e ir em busca de muito mais (ser o que realmente é).

Hoje em dia, as diversas técnicas psicoterápicas, bem como os inúmeros caminhos de desenvolvimento pessoal, têm ampliado as possibilidades de autoconhecimento. O que antes era visto como sinal de egocentrismo ou até mesmo de loucura, atualmente é encarado como uma opção extremamente saudável.

Entretanto, é preciso estar atento ao fato de que a partir do momento que optamos pela verdade, todo ambiente ao nosso redor passará pelas possíveis transformações decorrentes dessa escolha. Quando uma pessoa resolve ser diferente daquilo que vinha sendo durante um tempo, sua atitude surtirá efeito sobre todos os que estão a sua volta. E a tendência de tentarem “segurar” o indivíduo na posição que lhes era conhecida, é muito grande.



Aqui, como de costume, vamos nos ater às figuras parentais. Alguns pais apresentam um medo inconsciente frente ao desenvolvimento pessoal do filho por diversos motivos. Embora isso soe estranho, foi em 1915 que Freud observou em alguns de seus pacientes, um fenômeno que classificou como "o medo do sucesso". Apesar de mãe e pai, aparentemente, desejarem que seus filhos sejam melhores do que eles, nem sempre essa é uma verdade genuína. Segundo Jean-Yves Leloup, se um filho se torna mais rico ou mais feliz do que seus pais, ele lhes escapa, sai da família. E inconscientemente os pais seguram seus filhos no mesmo estado em que eles pararam.


Por isso, por melhores que sejam as ações dos pais ao oferecer para os filhos tudo o que podem - fator muito comum através do quesito financeiro - seu inconsciente poderá estar trabalhando contra o progresso do filho. Mães que por algum motivo foram omissas nos primeiros anos de vida da criança (incluindo a gestação), sentem uma necessidade extrema de, mais tarde, compensar tal falta de diversas maneiras a fim de não se distanciarem (mais!) do filho. Entretanto, apesar de existirem pessoas capazes de vender a alma pelo outro, há sempre uma espera velada de que este outro as recompensem por isso. 

Bebês exigem muito cuidado e nesta fase a mãe é pura entrega. É uma doação constante de carinho e atenção. Contudo, existem mães, que por lacunas da própria infância, não conseguem dar conta de cuidar sem serem cuidadas, e acabam deixando a mensagem subliminar de que deve haver uma troca, e não uma entrega. É comum, no entanto, que passados os primeiros e mais delicados anos, tal mãe passe a fazer cada vez mais pelo filho (superprotegendo-o a ponto de sufocá-lo), pois sua psique quer compensar o que não foi capaz de fazer antes. Entretanto, a falta sentida na primeira vinculação deixa marcas profundas e a carência já se instalou. Mães que se perdem na ilusão altruísta de tentarem salvar os filhos, estão muitas vezes, buscando salvar a si mesmas. 

É claro que os pais, em geral, buscam fazer o melhor que podem para seus filhos. Mas a maternidade (e a paternidade) evoca sentimentos inconscientes da própria vivência como filha (o) que podem ser conflitantes entre si. Por isso a importância do autoconhecimento principalmente por parte dos pais e se possível, antes de tornarem-se educadores! Homens e mulheres que reconhecem seus conflitos serão naturalmente menos reprimidos e mais autênticos não só em casa, mas em todas as suas relações.


Um dos grandes dilemas deste tipo de cuidado, refere-se ao fato do personagem incorporado ser paradoxal. Existe uma obrigação aprendida de ser o salvador da pátria. Há uma necessidade extrema de ser educado, gentil, prestativo e tolerante. É o famoso “bonzinho”... E por ser aparentemente assim, não enxerga seu lado controlador, perfeccionista, ansioso, autoritário, excessivamente otimista, dono da razão e emocionalmente inseguro. Porém os filhos percebem essa ambiguidade e isso os confunde, é praticamente uma chantagem emocional: "Eu faço tudo por vocês, mas exijo respeito e submissão." É um fazer condicional.


Muitas vezes esse tipo de relação advém de um distúrbio conhecido como co-dependência. A psicóloga Bel César adverte que, "uma atitude co-dependente pode parecer positiva, paciente e generosa, pois está baseada nas melhores das intenções, mas na realidade é exagerada, inadequada e intrusa."

No caso da mãe co-dependente, esta precisa sentir-se útil, aceita e amada a todo custo, e acaba repetindo os mesmos comportamentos ineficazes da sua própria infância na tentativa de não sentir a dor do abandono mais uma vez. Para isso cria, com os filhos, uma relação de dependência mútua. Ela precisa sentir que seus filhos dependem dela para sentir-se viva. E por isso, não cria os filhos para o mundo, os cria para temer o mundo, apesar de acreditar piamente que participa da primeira categoria. Inconscientemente, há uma vitimização: "Sou coitada, mas veja como sou forte e o que eu tenho de suportar por vocês", explica Zampieri, psicóloga estudiosa da co-dependência. A consequência são futuros adultos que vão buscar em seus relacionamentos esse mesmo cuidado compulsivo, que nada mais é do que um pedido de socorro: “Faço muito por você, mas espero que você também faça por mim”. 

Em um texto publicado na Folha de São Paulo, o autor faz uma interessante análise baseada na origem do termo co-dependência, como sendo uma derivação do termo co-alcoólatra. Segue link para maiores informações:


Identificar a existência de um afeto mal canalizado é o primeiro passo para que o mesmo possa voltar a fluir livremente pelo psiquismo. Entretanto, essa conscientização pode ser difícil. A tendência inicial é o indivíduo negar e resistir tanto às percepções da forma como atua, quanto às mudanças que elas podem promover. Contudo, é importante lembrar que a verdade nunca é mais dolorosa do que o que escondemos de nós mesmos.

Filho de peixe pode e deve ser muito mais do que um mero peixinho, uma mera repetição... Mas para isso, é preciso ter forças para trilhar por um caminho diferente daquele que, apesar de conhecido, limita infinitamente seu potencial.