A
sociedade em que vivemos está ficando cada vez mais perdida. O ser humano nasce,
recebe uma educação na maioria das vezes questionável, se desenvolve (ou ao
menos tenta), e começa de imediato a ser interrogado sobre "O que vai ser
quando crescer", antes mesmo de saber o
que ele de fato é no presente. A preocupação com a profissão ou o rótulo
que carregará, antes de descobrir quem ele realmente é, o invade afastando
qualquer possibilidade de entrar em contato com seu verdadeiro eu. É comum
atribuir-se um peso muito maior ao que os outros vão pensar se o próprio filho
não tiver um diploma, do que se ele não tiver personalidade.
Em função disso, a
criança cresce sob a expectativa do desejo dos pais, pois é raro um pai que
permita a um filho ser o que ele é. Pais ansiosos e temerosos geralmente querem
que o filho seja aquilo que eles esperam que seja, sempre escudados pela preocupação
com seu futuro financeiro. E jamais admitindo a vergonha que possam vir a
sentir por ter um filho fora do padrão – comumente aquele que dá vazão às suas
inclinações artísticas e intrínsecas, optando por alimentar sua alma ao invés
de vendê-la a qualquer preço. Cabe aos pais orientar, mas jamais compelir.
Sendo este o caso, dá-se início ao falso crescer. Conclusão: crescem achando
que sabem o que são, porque se identificam com aquele título que aprenderam a
galgar. E assim caminham por toda a vida - falando de si a partir de uma das
perguntas que mais respondem: "O que você faz?" E sequer dando espaço
ou questionando-se a respeito de "Quem sou eu?" Muito tempo se passou
desde que Sócrates afirmava: "Conhece-te a ti mesmo." Mas até hoje
pouquíssimos podem compreender a profundidade dessa premissa básica.
"Fazer",
todos fazem a mesma coisa dia após dia e continuam exercendo, inclusive, um
padrão que diz respeito à infância - seguem imitando uns aos outros como se
houvesse um cérebro coletivo que dita as regras. Entretanto, "ser"
cada um é algo diferente. Ninguém é
igual a ninguém. Mas esse atributo tão essencial e permanente da vida, é
deixado de lado em prol do fugaz materialismo. As pessoas aprendem que
concordar é o mesmo que "ser educado”, e não percebem que só se desenvolve
aquele que discorda. Por sua vez, os
pais têm pérolas em suas mãos, mas atitudes preconceituosas e limitadas
aniquilam qualquer possibilidade de criar um Ser humano, e acabam dando ao mundo mais um Ter humano.
A humanidade parece estar com preguiça
de crescer e segue na ingênua esperança de que poder e reconhecimento sejam suficientes
para que cada um seja dono de si mesmo. Mas é preciso adverti-la de que o
verdadeiro e permanente crescimento só pode ser alcançado individualmente. Um
indivíduo infeliz não consegue ser pleno sozinho e torna-se parasita de outro
mais infeliz ainda. Passam a vida se apoiando em pseudo alegrias e acreditando
que “Tudo o que é bom, dura pouco.” Sendo assim, raros vão em busca do auto
conhecimento: o real caminho para a felicidade plena e duradoura. Segundo Roberto
Crema, “o grande perigo atual, a grande ameaça global se chama normose (a
patologia da normalidade). Precisamos de pessoas esquisitas!” Em uma sociedade
doente, é preferível sermos anormais.
É claro que o olhar ou a aprovação do
outro é fundamental na infância. Ao fazer algo diferente, a criança olha
para a mãe com aquele ponto de interrogação impresso em sua face esperando
aplausos ou querendo dizer: "Posso fazer isso?" É um ser em
construção. Porém o ciclo do "fazer igual" é difícil de ser rompido,
e apesar do cenário atual ser a prova viva do estrago, ninguém se atreve a sair
da fila para ver o que de fato está à venda. É muito mais comum inibir um
comportamento criativo a fim de não ter de lidar com resultados desconhecidos,
do que permitir a inovação e colher os possíveis frutos da novidade. Estamos
fartos de saber que a maioria das mães (ou pais) nem mesmo estão presentes em
grande parte das vezes quando seus filhos precisam de um simples olhar
aprovador ou até mesmo recriminador. Mas para que deixemos de precisar de uma
referência, ela deve de antemão, ter sido exaustivamente utilizada. Caso contrário,
uma constante inquietação vai permanecer ancorada durante a vida inteira.
Serão os futuros dependentes
emocionais: adultos que precisam da aprovação e do olhar do outro para se sentirem
amados e seguros. O cuidado que falta na infância, perdura até que a própria
pessoa saiba se cuidar e se acolher. Como poucos buscam conhecer-se para lidar
saudavelmente com essa questão, mantém-se o comportamento infantil, buscando a
atitude que a mãe ou o pai não tiveram, em terceiros. São incapazes de
acreditar na própria percepção e recorrem frequentemente ao auxílio de outra pessoa
porque a falta de auto confiança os impedem de buscar reconhecimento dentro de
si. Passam a vida ansiando por estarem cheio de amigos ou buscando a outra
metade da laranja, mas não se dão conta de que estão atrás da satisfação de uma
necessidade que só pode ser atendida internamente. A consequência disso é o
teatro que vemos hoje. Pessoas extremamente carentes postando fotos e mensagens
de todos os tipos pela internet, implorando: "Olhem para mim pelo amor de
Deus", "Eu estou aqui", "Eu existo"! Ou encarando do
ponto de vista macro, podemos notar o reflexo disso na mídia com suas
incansáveis propagandas suplicando para que seus produtos sejam vistos e
vendidos. Interessante que embora esteja claro que o que é bom de verdade, não
precisa de propaganda... As pessoas continuam indo atrás do que todo mundo
compra.
Muitas vezes é preferível ser visto e
ouvido por apenas um consumidor ou até mesmo um leitor que seja suficientemente
esclarecido, e que fará bom uso do seu “produto”. A ter milhões deles que não
compreendem ou estão tão contaminados por seus preconceitos, que só lhes restará
criticar o que consumiram a fim de que possam, inutilmente, voltar à sua zona
de conforto.
Já dizia Schopenhauer: "O que
falta em qualidade às pessoas do seu convívio tem de ser suprido, em certa
medida, pela quantidade. O convívio com um único homem inteligente é
suficientemente recompensador, mas, se o que se encontra são apenas tipos
ordinários, então faz bem ter uma profusão deles, para que a variedade e a
atuação em conjunto produzam algum efeito... E que o céu lhe conceda
paciência!"
As crianças precisam ser vistas e
ouvidas no momento certo, para que sejam adultos portadores da verdade e não
para que busquem a verdade no outro. Uma criança que recebe limites claros e ao
mesmo tempo, tem a oportunidade de agir com independência, será sem dúvida um
adulto firme e de personalidade indissolúvel. O mundo carece de pessoas
assim. E por isso segue nesse ritmo alucinado em sua eterna busca por dinheiro,
fama, reconhecimento e poder. São meras máscaras para não entrar em contato com
sua essência. Dinheiro é necessário, mas jamais será suficiente. Fama,
reconhecimento e poder então, são mediocridades da pior espécie. Não servem
para absolutamente nada. Todo aquele que quer aparecer por aparecer é escravo
do outro. O homem livre é dono de si mesmo e faz o que faz simplesmente porque
se sente bem. Isto não significa que cada um deva sair por aí fazendo o que bem
entender ou o que mal entender, como acontece. O ser que descobre a Luz que
possui, jamais utilizará seu potencial para o mal do próximo. Ele sabe adequar
a sua liberdade para libertar igualmente, todo aquele que se aproxima de si.
Ele passa a ser um servidor e não um mero consumidor.
Rohden, brilhante filósofo e
escritor brasileiro, lutou a vida toda pela libertação do homem. Seus preceitos indicam que “não ser moderno exige grande firmeza de caráter e independência
de espírito. Para não ser
moderno é necessário ser herói. Para ser alguém é preciso ter a coragem de
renunciar a algo - e muitas vezes esse algo é quase tudo o que a sociedade
preza. Para preservar a sociedade da corrupção, é necessário, não raro, parecer
antissocial, não ser um passivo refletor da opinião pública, mas sim um ativo
diretor dela”.
Por conseguinte, pessoas assim só
aparecem quando a criança interna e ferida de cada um é curada. Infelizmente,
parece mais fácil olhar para o espelho e retocar o que podem ver. Não se dão
conta de que seu avesso, apesar de não ser diretamente visível, é o único e
grande responsável pela vida que expressam. Preferem gastar toda sua energia
nas boas aparências... Investem no fugaz e nas efemeridades que residem em tudo
que é material. "Por fora bela viola, por dentro pão bolorento". A
situação é realmente preocupante.
Quando Krishnamurti trouxe ao mundo uma
forma de pensar completamente nova e que, portanto, exigia transformação
interior, muitos o criticaram enquanto ele afirmava com veemência: "Falar
a pessoas que já deixaram de pensar é muito cansativo. Estão todos um pouco
nervosos comigo, visto que sou como um pedaço de espelho que os reflete -
sobretudo a eles, o que não lhes agrada."
Ninguém disse que mudar é fácil. Mas é
imperativo para quem busca viver uma vida de verdade.
"A vida só é real quando Eu
Sou". Gurdjieff
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